Inteligência nas Smart Cities

O termo Cidades Inteligentes ou Smart Cities, embora amplamente difundido, está longe de ser um conceito consolidado. Para uma parte dos acadêmicos e práticos, o ponto central da inteligência é a intensa aplicação de tecnologias para solucionar problemas ou automatizar atividades nas cidades, o que inclui, por exemplo o uso de sensores em postes de iluminação, câmeras de segurança, alertas para níveis elevados de chuva e risco de alagamentos entre outros. Para esta vertente, a tecnologia, que inclui hardware, software e em especial as redes de transmissão, são fundamentais para se definir uma cidade como inteligente. Para essa perspectiva, pense em Wakanda, cidade estado de Pantera Negra, como a cidade inteligente utópica.

Sob uma perspectiva diferente, há cientistas e práticos que focalizam a inteligência de uma cidade sob a ótica da qualidade de vida que ela proporciona aos seus cidadãos, sendo que quanto maior a qualidade de vida, mais inteligente a cidade, independentemente do nível e sofisticação tecnológico empregado. Para essa linha de pensamento, as taxas de emprego, moradia, acesso a serviços de educação, saúde e lazer, bem como saneamento, abastecimento de água, coleta e tratamento de lixo são os pontos centrais e podem considerar ou não uso de tecnologia. As relações da cidade com o meio ambiente tornam-se centrais para o desenvolvimento da inteligência da cidade.

Frequentemente vemos na mídia a divulgação de rankings de inteligência das cidades e, por vezes, os resultados são intrigantes. Por exemplo, São Paulo – SP foi eleita a 3ª cidade mais inteligente do Brasil pelo ranking Connected Smart Cities de 2022, atrás de Curitiba – PR e Florianópolis – SC (https://portal.connectedsmartcities.com.br/2022/10/08/confira-o-ranking-com-as-100-cidades-mais-inteligentes-e-conectadas-do-brasil/), mas como uma cidade com tantos desafios pode ter um nível tão alto de inteligência?

Buscando responder a essa pergunta, os pesquisadores do NECIS David Bergerman, Leonardo Lima e Guilherme Simões realizaram um levantamento dos modelos de avaliação utilizados para medir a inteligência das cidades e uma análise comparativa entre eles.

Os rankings de avaliação de Cidades Inteligentes são aplicados por acadêmicos e práticos para mensurar o desenvolvimento das cidades e apontar caminhos para o planejamento estratégico futuro. Para as gestões municipais além de trazerem uma visão ampla do desenvolvimento da cidade, os rankings são um meio de interação com a sociedade e divulgação do trabalho desenvolvido ao longo dos anos.

Embora muito relevantes, os modelos de avaliação permanecem em constante aperfeiçoamento e apresentam pontos fortes e fracos. Um ponto importante a se considerar é que o conceito de Smart Cities surgiu na literatura estrangeira e os primeiros e mais conhecidos rankings de avaliação são também estrangeiros. Mas será que é adequado avaliar uma cidade Sul Americana tal como se avalia uma cidade Europeia? Países diferentes, com diferentes culturas, histórias, nível de desenvolvimento são comparáveis para que se use uma mesma ferramenta de avaliação?

Nesse sentido, pesquisadores começaram a propor rankings específicos para diferentes países e rankings brasileiros, tal como o Connected Smart Cities citado anteriormente, apareceram. Bergerman, Lima, Simões e Mantovani (2022) compararam rankings brasileiros e estrangeiros e observaram que os rankings nacionais de fato refletem melhor a realidade do país, incluindo indicadores que não estão presentes em rankings internacionais, por exemplo, a porcentagem de moradias com acesso à água encanada, o que traz luz aos problemas de infraestrutura que ainda são realidade brasileira.

Outro ponto importante observado é que alguns dos modelos brasileiros analisados foram construídos tendo como base apenas revisão de literatura, enquanto modelos estrangeiros utilizam a literatura, mas também opiniões de especialistas como fonte de evidência para a construção dos indicadores. Ainda, vários rankings baseiam-se em dados secundários oficiais para mensurar o desenvolvimento de cada cidade e, nem sempre, os dados necessários estão disponíveis.

Os resultados observados nos rankings devem ser interpretados considerando-se as limitações de suas metodologias e as dificuldades de acesso a dados. Em geral, as capitais e cidades de grande porte são aquelas com mais recursos e com maior quantidade de dados públicos, o que ajuda a compreender o motivo pelo qual figuram entre as primeiras dos rankings, mesmo tendo desafios evidentes a enfrentar.

Desta forma, a importância da publicação de dados abertos, da transparência da estratégia de gestão são fundamentais para se compreender o desenvolvimento da cidade e a evolução de sua inteligência. Idealmente todos os municípios deveriam figurar nos rankings para que fosse possível estabelecer planos de ação apropriados para cada realidade e necessidade.

O texto completo de Bergerman, Lima, Simões e Mantovani (2022) foi publicado nos Proceedings do AMCIS 2022 (America’s Conference on Information Systems) e pode ser acessado aqui (https://aisel.aisnet.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1012&context=amcis2022)


31/03/2023 22:11 - Profa. Dra. Daielly Mantovani - Profa da FEA-USP e Líder do NECIS

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