Frameworks de Avaliação das Cidades e o Desenvolvimento Sustentável

No último dia 15 de novembro, segundo estimativas da ONU, o mundo alcançou a marca de 8 bilhões de habitantes com contínua tendência de crescimento e projeção de que em 2050 a população mundial atinja quase 10 bilhões de pessoas. O portal G1 traz infográficos bastante interessantes acerca das estatísticas de crescimento populacional e, ao mesmo tempo, envelhecimento da população , que valem a pena conferir (link). No artigo de hoje, entretanto, gostaria de discutir, não o crescimento da população, mas as ferramentas de gestão que estão sendo usadas para ajudar as Gestões Municipais a lidar com os desafios derivados desse crescimento.

Junto com o crescimento da população outros movimentos estão ocorrendo, como o envelhecimento das pessoas, a migração das áreas rurais para as áreas urbanas e as mudanças climáticas, que trazem com maior frequência eventos extremos como secas, ondas de calor e de frio, inundações entre outros desastres naturais. A interação de todas essas variáveis tem pressionado as cidades e suas gestões, fomentando a busca por soluções que propiciem o desenvolvimento sustentável, elevando a qualidade de vida das pessoas, ou seja, avançando-se na inteligência das cidades. Nesse sentido, no ano de 2015 foi proposta pela ONU a Agenda 2030 que contempla 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), sendo o objetivo ODS 11 voltado para o desenvolvimento de Cidades e Comunidades Sustentáveis. Embora os ODS façam parte de um plano global, a atenção às características regionais e mesmo locais é essencial para se garantir que de fato haja desenvolvimento sustentável.

Dentro desta busca por soluções pode-se destacar a criação, por organizações com e sem fins lucrativos e acadêmicos, de frameworks de avaliação e indicadores que sirvam como ferramenta de gestão, ajudando a Administração Pública a identificar seus pontos fortes e fracos e com isso encontrar caminhos para políticas de desenvolvimento. Há frameworks utilizados no mundo todo, específicos para avaliação de Cidades, por exemplo, ISO37120:2018, ISO/DIS 37122:2018, ETSI TS 103 453 , ITU-T Y.4901/L.1601 , ITU-T Y.4902/L.1602, ITU-T Y 4903/L.1603. Mas, será que essas ferramentas de fato ajudam as Cidades a avançarem no desenvolvimento sustentável?

O trabalho de Gabriel O. O. Pires, desenvolvido no grupo de pesquisa NECIS/USP buscou responder a essa pergunta, confrontando os frameworks acima mencionados com os indicadores do ODS 11. Observou-se que os indicadores contemplados pela maior parte dos frameworks são: a) acesso a transporte público, b) cidades com estrutura de participação da sociedade civil no planejamento urbano e decisões da gestão pública; c) número de mortes, pessoas desaparecidas ou diretamente afetadas por desastres; d) proporção de resíduos sólidos devidamente coletados e destinados; e) média anual de emissões de gases com partículas inaláveis (PM2,5, PM10), f) área da cidade dedicada a uso público aberto, g) proporção da população vivendo em habitações com acesso a serviços básicos, h) proporção de esgoto tratado.

Por outro lado, os indicadores a seguir são os menos representados nesses frameworks: a) Razão da taxa de consumo do solo pela taxa de crescimento da população; b) Total da despesa (pública e privada) per capita gasta na preservação, proteção e conservação de todo o patrimônio cultural e natural, c) proporção de pessoas vítimas de abuso físico ou sexual, d) Proporção do apoio financeiro aos países menos desenvolvidos destinado à construção e modernização de edifícios sustentáveis, resistentes e eficientes.

Esta análise comparativa demonstrou que os frameworks adotados mundo afora não estão completamente alinhados com a agenda de desenvolvimento sustentável da ONU e deixam de lado questões fundamentais para a qualidade de vida nas cidades, como a ocupação do solo, habitação, proteção do patrimônio natural e cultural local, que em última instância refletem questões de desigualdade.

É preciso que todos os stakeholders estejam alinhados com as metas a se buscar para o desenvolvimento das Cidades, respeitando-se especificidades de cada lugar. Isso é bem mais difícil do que parece, pois além de interesses divergentes, a própria interpretação sobre o que é uma Cidade Inteligente e Sustentável é controversa, há quem acredite que a tecnologia é o foco; há quem acredite que a tecnologia é um meio para se alcançar inteligência e sustentabilidade, mas essa discussão vai ficar para outro artigo.

O trabalho completo sobre a comparação dos frameworks e o ODS 11 foi apresentado e publicado no ISLA 2022 (Conference on Information Systems in Latin America) e pode ser acessado aqui.

02/12/2022 10:59 - Profa. Dra. Daielly M N Mantovani. Docente do Departamento de Administração da FEA-USP e Líder do NECIS

@scott-webb